A série dos erros continua: fala-se pouco sobre como empreender pode trazer marcas emocionais profundas, especialmente quando amigos estão envolvidos nos novos negócios
Fundar a abeLLha, aceleradora de startups, foi um divisor de águas na minha vida. Não só pelo que ela representa – o impulso que dá aos empreendedores. Por ela ser totalmente conectada à minha essência, conseguir agir para construir uma pequenina parte do mundo que acredito, ter sido “incubada” dentro de mim por anos com muito carinho antes de ser realizada. Sua história é uma história bonita e cheia de propósito. Cheia de dores e erros também. Esses são mais importantes de serem compartilhados.
Ao final de 2015, decidi sair da OLX, onde atuava como COO, junto com meu amigo e colega Max Kejzelman, para focarmos full-time na construção do app GoodPeople (que une talentos a projetos) e da abeLLha (que aplicava junto a startups o método que criamos para escalar o Bom Negócio, que se fundiu à OLX).
Em poucos meses o Fel Mendes se juntou, depois de sair da posição de editor-chefe da revista Sexy, para também tocar full-time os dois negócios. Deyse largou o que tinha fixo e veio cuidar da operação na nossa casinha em Santa Teresa. Camilo Cavalcanti veio trazer seu poder estratégico e mediador. Bruno Batista nos ajudou com a tecnologia. Gabriel Teixeira montou cadeiras. Lari Gobbo fez corre no centro do Rio pra deixar a nossa sede arrumadinha. Logo mais contratamos a Beta Pontelo, que hoje é a cabeça da operação da abeLLha. E houve muitos outros que frilaram, ajudaram e fizeram acontecer.
Enfim, a abeLLha reuniu muita gente empolgada e cheia de vontade, que colocou em risco suas carreiras e seu capital.
Ao organizar o método de gestão da própria abeLLha, das startups incubadas e do GoodPeople, criamos o Honeycomb: um software para gestão estratégica que usava um mix de OKRs e Holocracia para gerar transparência em organizações e ajudá-las a operar mais como startups.
Em menos de dois anos tínhamos uma equipe de 7 pessoas tocando 3 negócios.
Ainda, como muita coisa aconteceu organicamente, as regras de cada sociedade, stock-options, papéis e responsabilidades de cada um não estavam tão bem definidas quanto eu imaginava. Na empolgação de fazer os três negócios andarem, cada um criou suas expectativas e seu mundo ao redor das situações que se apresentavam.
Foco aqui nas minhas percepções, reflexões e digestão. Essa história definitivamente tem muitos ângulo:
Não há negócio no mundo que valha uma amizade: A maioria das pessoas que já entraram em uma sociedade sabem das complexidades inerentes a tal decisão. No meu caso, somada às dificuldades usuais, deixei as coisas fluírem com pouca definição e o que eu julgava como óbvio e claro, obviamente (e claramente) não era! As regras não foram pensadas com calma e profundidade, conversadas, transparentes. Na hora de tentar resolver o envolvimento e participação nas empresas, cada um pensava de uma maneira diferente. Perdi amizades importantes para mim nesse processo e hoje enxergo como poderia ter feito diferente: com propostas claras, bem amarradas, conversadas com calma antes de sair mergulhando no fazer. Um pouco ou bem mais de cuidado e amor. Cartas na mesa antes de o jogo começar. O que saiu caro, no fim das contas, não foi a grana perdida nos negócios que não alavancaram.
É impossível tocar mais que uma coisa ao mesmo tempo: Ao tentar tocar os três negócios, não tocamos realmente nenhum. As prioridades mudavam para onde vinha a receita, ou o projeto mais empolgante… o foco mudava a todo momento ou tudo era importante ao mesmo tempo. Em determinado momento, a abeLLha, que na teoria era meu principal negócio, ficou de lado. Tínhamos três excelentes projetos, todos com potencial de virarem bons negócios, e dois deles não se realizaram (a falta de foco não foi o único fator, ao meu ver, mas contribuiu em grande escala).
Quando digo que essa falta de foco e clareza quase me quebrou, não estou falando financeiramente e sim emocionalmente. Fala-se pouco sobre como empreender pode trazer marcas emocionais profundas, coisa para tratar por anos na terapia ou motivo de surgimento de urticária crônica.
O processo de me envolver com tanta coisa, de ter que me desligar de cada uma delas para focar na abeLLha, de ferir amigos e me sentir ferida foi um dos grandes marcos de aprendizado da minha vida até hoje.
No glamour do palco do empreendedor nunca falamos sobre o fim ou sobre as bagunças que fazemos. Compartilhamos sucessos, histórias boas e consistentes. Esquecemos que os términos, as pisadas de bola e corações partidos também fazem parte da jornada de empreender.